A decisão pelo STF sobre a constitucionalidade de tributo não é elemento suficiente para reverter, por meio de ação rescisória, uma decisão judicial em processo já encerrado. Em outras palavras: ainda que um tributo seja considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral, decisão em sentido contrário anterior, proferida em processo já finalizado, não pode ser contestada mediante ação rescisória.
Esse foi o entendimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar, em maio, um recurso apresentado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que tentava retomar a contribuição de 0,2% sobre a folha de salários, receita destinada ao Instituto.
O recurso analisado pelo STJ versa sobre decisões de 2005, transitadas em julgado três anos depois, que dispensavam empresas urbanas de pagar a contribuição de 0,2% ao Incra.
Ocorre que em 2008 os ministros do STF reformaram o entendimento no bojo de outro processo, sujeito ao rito da repercussão geral (que gera efeitos para além das partes do processo), e decidiram que o tributo é, sim, devido também pelas empresas urbanas. Com base nesse novo posicionamento fixado pelo STF, o Incra ajuizou uma ação rescisória para tentar desconstituir o acórdão de 2005.
A teia jurídica parte do fato de que o direito brasileiro prevê a possibilidade de uma decisão judicial já transitada em julgado – ou seja, da qual não caibam mais recursos – ser reformada por meio da ação rescisória. Ao analisar a ação ajuizada pela União contra o acórdão que entendeu ser inconstitucional a exigência da contribuição, os ministros discutiram em quais casos a ação rescisória pode ser utilizada.
O ponto de partida foi a análise da Súmula 343 do STF, que restringe as possibilidades de admissão da ação rescisória. O enunciado diz que “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
Ou seja, não cabe esse tipo de ação se, à época da decisão, o entendimento sobre a matéria for diverso entre os tribunais. Assim, a decisão do STJ, a nosso ver, nada mais fez que primar pela segurança jurídica e respeito à coisa julgada, além de atender ao enunciado do Supremo. Imaginem a insegurança gerada pela possibilidade de uma decisão do STF, posterior ao êxito de uma ação pelo contribuinte, poder alterar o resultado de um processo já finalizado!
Apesar da grande relevância do julgado em questão, no dia seguinte à sua sessão de julgamento, a Segunda Turma do STJ proferiu decisão completamente contrária, garantindo ao Poder Público o direito de exigir tributo declarado constitucional pelo STF sem nem ao menos ajuizar a ação rescisória.
No segundo caso levado a julgamento na Corte, o contribuinte tinha a seu favor decisão transitada em julgado que o desobrigava do recolhimento do ISS – Imposto Sobre Serviços sobre serviços notariais, dada sua inconstitucionalidade.
Com base em julgado posterior do STF, que concluiu pela constitucionalidade da incidência do ISS sobre tais serviços, o Município voltou a exigir o tributo e ajuizou execução fiscal em face do contribuinte que possuía a coisa julgada a seu favor.
Ao julgar a demanda, inusitadamente, a Segunda Turma do STJ deu provimento ao recurso do Município, sob o fundamento de que a relação jurídico-tributária em análise seria continuada e, assim, a alteração substancial do entendimento da jurisprudência sobre a matéria gerou mudança nas condições de direito e afetou os fatos geradores posteriores à decisão do STF. Considerou-se, assim, “válida a cobrança de ISS sobre os serviços notariais após a declaração de constitucionalidade da exação”.
O cenário jurisprudencial envolvendo os possíveis efeitos gerados pela ação rescisória tende a se modificar, ainda, com a aplicação do art. 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n°4.657/42), alterado pela Lei n°13.655/18, segundo o qual a mudança posterior de orientação geral (por exemplo, decisão do STF com repercussão geral reconhecida) não pode ensejar a revisão de decisão judicial fundamentada em jurisprudência dominante à época.
Diante de tamanha dissonância entre os julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, resta o contribuinte diante da insegurança jurídica, que pode vir a ser neutralizada com a assessoria jurídica de qualidade.