Um dos temas polêmicos nas escolas atualmente é o ensino sobre identidade de gênero. Há grupos que entendem que o assunto não deve ser abordado nas instituições de ensino, pois pertenceria ao âmbito privado e, logo, deve ser tratado apenas pela família e pelos pais. Em contrapartida, existem os que defendem que o assunto deve sim ser abordado no âmbito escolar, pois possui caráter protetivo e emancipador, papéis fundamentais que devem ser exercidos pelas instituições de ensino comprometidas com uma educação de qualidade e com a formação do indivíduo para a cidadania. Nesse sentido, é uma temática de ordem pública que possui a necessidade da intervenção do Estado, como acontece em tantas outras disciplinas.
O caso mais recente de grande repercussão sobre o assunto aconteceu em São Paulo, onde o governo estadual ordenou o recolhimento de apostilas da disciplina de ciências dos alunos do 8º ano do ensino fundamental (da faixa etária entre 13 e 14 anos) da rede estadual de ensino por supostamente pregarem uma “apologia à ideologia de gênero”. Essas apostilas tratavam sobre tema da sexualidade, com orientações sobre gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e diversidade sexual. O material abordava o conceito de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.
Um grupo formado por professores e pesquisadores de universidades públicas interpôs uma ação popular pleiteando a suspensão da ordem de recolhimento. O Poder Judiciário ordenou o retorno das apostilas para as escolas estaduais para o uso dos alunos, tendo a juíza entendido que o material dispunha conteúdo de diversas áreas e o recolhimento configurava violação do direito de educação e aos princípios constitucionais do ensino, além de eventual lesão ao erário.
É importante esclarecer que o estudo sobre “identidade de gênero” não se confunde com o que é chamado de “ideologia de gênero”, sendo que enquanto aquele designa “o autoconceito que o indivíduo faz de si mesmo como masculino ou feminino”, este é um conceito que remete à doutrinação que teria o condão de impor lobbies. Tal confusão, que ocorre com frequência, é muitas vezes responsável pelo temor das escolas em abordar o tema.
O fato é que as escolas não podem deixar de abordar a identidade de gênero. Afinal, a sexualidade e a reprodução humana estão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – normas gerais da educação nacional determinadas por força do Art. 209 da Constituição Federal e por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394/96).
O eventual silêncio das instituições de ensino sobre a importante temática deixaria os alunos expostos aos perigos da ignorância, deixando-os vulneráveis aos riscos de sofrer e/ou cometer violência nesta delicada, mas inegável, perspectiva da vida humana.
A educação sexual compõe uma área do conhecimento que pretende a compreensão do corpo e da sexualidade, com o objetivo de promover autonomia e proteção da pessoa contra qualquer forma de violência sexual ou psíquica, de discriminação, de exposição às doenças sexualmente transmissíveis, sendo imprescindível para efetivação do Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, que é atribuído pelo art. 227 da Constituição Federal à família, à sociedade e ao Estado, e, obviamente também às instituições de ensino.
A abordagem do assunto nas escolas deve ser feita, assim, com cautela, de acordo com fundamentos científicos e em respeito às normas legais que tratam sobre o assunto.