Há muitos anos, a jurisprudência trabalhista vem debatendo o direito à insalubridade dos trabalhadores que realizam atividade de limpeza e higienização de banheiros de estabelecimentos com grande circulação de pessoas, pela exposição a agentes biológicos.
Nos anos 2000, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a orientação jurisprudencial nº 4, da SBDI-1, cuja tese dizia que a “limpeza e higienização de banheiros, ainda que públicos ou coletivos, não pode ser considerada como contato do trabalhador com lixo urbano, devendo se equiparar à limpeza realizada em residências e escritórios”.
Em 2014, a citada orientação jurisprudencial foi convertida no item II da súmula 448, do TST, e a tese ganhou nova redação e sentido ao dispor que “a higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano.”
A atividade não está expressamente descrita como insalubre em norma regulamentadora do Ministério do Trabalho, mas o TST equipara o lixo recolhido e a higienização de banheiro de grande circulação com a atividade de coleta de lixo urbano para aplicar a regra do anexo 14 da NR -15 do MTE.
O entendimento do TST de equiparação da higienização e do recolhimento do lixo de banheiros de grande circulação de pessoas com o lixo urbano não é acatado de forma unânime pelos juízes do trabalho e o debate acaba quase sempre chegando no TST – que aplica o entendimento da súmula 448, mesmo se a prova pericial concluiu pela ausência da insalubridade.
A divergência de entendimento sobre a existência ou não da insalubridade na atividade também se verifica junto aos profissionais da área de segurança do trabalho. O debate se estende desde o fato de não existir previsão expressa do enquadramento da atividade como insalubre por norma regulamentadora do MTE, a não ser possível equiparar a atividade de limpeza e higienização de banheiros de grande circulação com o conceito de lixo urbano, até a divergência de entendimento quanto a eficiência dos equipamentos de proteção individual (EPI´s) disponíveis para a proteção contra agentes biológicos nocivos à saúde do trabalhador.
Em meio a toda essa insegurança jurídica, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 4534/2023, de iniciativa da Senadora Jussara Lima, que dispõe sobre o reconhecimento da insalubridade do trabalho dos profissionais que limpam banheiros públicos ou coletivos de grande circulação.
O Projeto de Lei propõe incluir na CLT o art. 192-A para dispor que “o trabalho em higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo”. Para a lei, o conceito de grande circulação se aplica a estabelecimentos em que as instalações sanitárias estejam disponíveis para mais de 20 (vinte) pessoas.
O Projeto de Lei busca se justificar na necessidade de proteção da saúde do trabalhador em razão da “exposição frequente a agentes biológicos, químicos e físicos torna essa ocupação extremamente insalubre”, mas não faz referência a nenhum estudo técnico sobre a ineficiência de EPI’s para neutralizar o risco.
A insalubridade, que em tese seria identificada por critérios técnicos em perícia, na esfera judicial trabalhista passa a ser declarada a depender do entendimento do juiz julgador de acatar ou não a Súmula 448 do TST, independentemente do resultado da prova técnica, já que até os peritos judiciais também discordam entre si sobre a existência da insalubridade.
Diante do impasse, a questão ser definida por lei talvez seja a melhor solução para trazer segurança jurídica para as empresas quanto aos custos operacionais da atividade e para os trabalhadores quanto a proteção de sua saúde.
Contudo, causa espanto o critério do projeto de lei de obrigar a qualquer estabelecimento que tenha um banheiro disponível para uso de mais de 20 pessoas a pagar a insalubridade para o trabalhador que realizar a sua limpeza, dado o grande alcance da medida, que impactará variados estabelecimentos como escritórios, consultórios, comércios, pequenas fábricas, escolas, academias, lanchonetes, etc.
A questão permanece controvertida e será importante acompanhar a tramitação do Projeto de Lei nº 4534/2023 dado a sua relevância política, econômica e de proteção à saúde do trabalhador.