É notório que as instituições financeiras vêm adotando conduta velada de encerrar unilateralmente a conta corrente das empresas intermediadoras de bitcoin, sem qualquer justificativa ou motivo, certamente visando diminuir ou excluir a concorrência que a moeda virtual exerce frente ao produto comercializado pelos bancos, indicando assim uma possível utilização anticoncorrencial de sua estrutura.
Os serviços bancários são geridos e controlados pelas instituições financeiras, que enxergam nas criptomoedas uma ameaça ao seu interesse comercial. Por outro lado, não há como negar que a utilização dos serviços bancários é indispensável para qualquer empresa, razão pela qual ao vedar sua contratação ou rescindir imotivadamente tal relação, os bancos estão, na realidade, valendo-se de sua posição dominante para impedir a livre concorrência.
Tal procedimento esbarra nos limites fixados pela “teoria da infraestrutura essencial”, que impõe uma obrigação excepcional de contratar, evitando que as instituições financeiras escolham quem poderá utilizar seus serviços, mitigando a atuação de seus concorrentes.
É imprescindível ao dinamismo do exercício empresarial a utilização dos serviços bancários de transferências, aplicações, movimentações e investimentos de valores, essenciais para a existência de qualquer atividade mercantil.
Assim, o monopólio da atividade bancária seguramente coloca em posição confortável as instituições financeiras para que, ao negar injustificadamente a prestação do serviço essencial da manutenção da conta corrente da corretora de criptomoeda, acabe por asfixiar sua existência, inviabilizando de forma irremediável o exercício de seu objeto, qual seja, a compra e venda de criptomoedas.
Estudos recentes têm de forma crescente conferido legitimidade à aplicação da “teoria da infraestrutura essencial” ao setor bancário, sendo que a empresa que se dedica à corretagem de criptomoedas tem na conta corrente uma infraestrutura essencial para suas atividades.
Daí se conclui ser ilegítima a atitude dos bancos de pretender encerrar o liame obrigacional existente sem apresentar qualquer justificativa e sem demonstrar quebra ou inadimplência contratual pela contratante, não se podendo deslembrar que, desde que inexistente norma que a proíba, a intermediação da compra e venda de moedas virtuais é lícita e legal.
Verifica-se, assim e então, flagrante ofensa aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos no art. 170, inciso IV e parágrafo único da Constituição Federal:
“Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)
IV – livre concorrência; (…)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
O princípio da liberdade de iniciativa compreende o direito das empresas ao livre acesso para produzir e colocar seus produtos no mercado, devendo desenvolver suas ações amparadas no princípio da livre concorrência, a garantir a liberdade de atuar no mercado, viabilizando a competitividade entre os agentes econômicos sem qualquer distinção ou limitação de natureza concorrencial.
Ao vedar às corretoras o acesso aos serviços bancários essenciais ao desenvolvimento de suas atividades comercial, as instituições financeiras estão ferindo de morte o princípio constitucional da livre iniciativa, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.