Com o surgimento de diversas formas de configuração de uma entidade familiar – baseada na convivência e afeto entre seus membros –, o direito brasileiro foi obrigado a se modernizar. A ideia de que uma família seja baseada exclusivamente em liames genéticos e decorrentes do casamento civil foi ultrapassada pela Constituição Federal de 1988, que abriu espaço para um novo padrão social, com a valorização do aspecto afetivo.

Nesse contexto, a partir dos novos conceitos de estrutura familiar e critérios de paternidade surgiu um conceito moderno no direito de família: a multiparentalidade. Nada mais é que o reconhecimento de uma relação de pai ou mãe socioafetiva, com a inclusão do nome dessa nova figura no registro de nascimento do filho socioafetivo – que passa a ter uma dupla maternidade ou paternidade, já que o nome dos pais biológicos é mantido.

Consagrada a possibilidade de uma pessoa ter legalmente dois pais – um biológico e outro afetivo –, é importante frisar que não há prevalência entre eles, uma vez que ambos têm direitos e obrigações iguais. Essa mesma igualdade jurídica se vê entre o filho biológico e o socioafetivo. A partir de então, a discussão passou para o patamar da preservação dos direitos fundamentais de todos os envolvidos.

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que o reconhecimento dessa paternidade constituída pelo afeto é irrevogável, conforme prevê o artigo 1.610 do Código Civil brasileiro, com exceção dos casos em que for comprovado o vício de vontade, fraude ou simulação.

Os efeitos jurídicos da relação socioafetiva são idênticos àqueles gerados pela adoção, dispostos nos artigos 39 a 52 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), tais como a declaração de estado de filho afetivo; feitura ou alteração do registro civil de nascimento; a guarda e sustento do filho; o uso do sobrenome do pai afetivo; e o direito de visitas.

Quando há o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, há claramente a presença da vontade de ser pai/mãe e efetivar uma relação espontânea de ambos os lados, cultivada reciprocamente com o filho. Dessa forma, o pai deve cumprir seus deveres legais, sempre aliados ao carinho, cuidado, zelo e afeto, fazendo os laços afetivos superarem os biológicos e exercendo a paternidade responsável.

Como em qualquer relação familiar, o filho socioafetivo também pode se ver diante de um eventual divórcio dos pais. Nesse caso, a quem caberá a guarda? Como dito acima, não há prevalência entre o pai biológico/afetivo. Portanto, não há uma regra que garanta a guarda da criança ao pai biológico.

Assim, no caso de divórcio, o pai ou a mãe afetivos poderão ter os mesmos direitos dos pais biológicos sendo certo que deverá, sempre, prevalecer a opção que melhor acolha o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como o princípio do interesse primordial da criança e do adolescente estampado no artigo 227 da CF e no artigo 3º do ECA.

Em caso de morte dos pais biológicos, em tese o direito à guarda é do pai afetivo. Assim ocorreria no caso contrário, ou seja, se os pais afetivos possuem a guarda do filho e morrem, a guarda, em tese, passa a ser dos pais biológicos. Mas deve-se observar o caso específico, uma vez que existe a possibilidade de, por algum motivo, os pais socioafetivos ou os pais biológicos não poderem exercer a guarda sobre a criança.

Por fim, as implicações da relação socioafetiva passam também pelo direito sucessório. E o filho socioafetivo passa a ter direito na sucessão nos mesmos parâmetros do filho biológico. Diz o §6º do artigo 227 da CF que: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Paula Norton Fornaciari

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