A perda de um ente querido é um dos momentos mais dolorosos da existência de um ser humano. Soma-se a isso, as burocracias legais que decorrem desse momento. A decorrência legal do óbito de uma pessoa é o inventário dos bens de sua propriedade, de modo a transmiti-los aos seus herdeiros legítimos. O artigo 659 do Código de Processo Civil disciplina a possibilidade de um inventário mais simplificado, que traz como marca principal a desburocratização, em prol da eficiência da prestação jurisdicional, privilegiando o princípio da autocomposição das partes.
Essa modalidade de inventário é denominada por Arrolamento Sumário e é admitida quando há possibilidade de partilha amigável, realizada por sujeitos capazes, os quais se direcionam perante o judiciário em vista da homologação do acordo amigável de partilha, onde será testificado e confirmado esse acordo, para que produza seus efeitos legais. Além do mais, esse rito se aplica também, quando há um único herdeiro e se objetiva expedição de carta de adjudicação, para fins de transmissão dos bens do espólio. É importante notar que a partilha amigável poderá ser feita extrajudicialmente, o que não nos caberá tratar aqui.
Correlato a esse momento, em que, a partir do óbito, a legislação civil preceitua a inauguração de um procedimento extrajudicial ou um processo de inventário, nasce um crédito tributário, cujo fato gerador, se realiza quando do óbito do falecido. Incide, nesse instante, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD e, neste artigo, iremos entender a novidade que o Tema Repetitivo 1074, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, cuja tese foi firmada no julgamento do Recurso Especial 1896526 / DF, após ser afetado pelo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR disposto no art. 975 e seguintes do Código de Processo Civil, traz sobre a incidência do ITCMD no caso de Inventário por Arrolamento Sumário.
Antes de adentrar propriamente no assunto, faz-se necessário conhecer a tese firmada no Tema Repetitivo 1074 do STJ, qual seja: “No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN”.
Todavia, antes de compreender essa tese, é necessário entender como opera a incidência do ITCMD.
Dentro de um procedimento extrajudicial ou processo judicial de inventário, a quitação do ITCMD pode ser uma grande dor de cabeça, principalmente quando se trata de inventário onde estão reunidos vários bens a serem partilhados e/ou bens de grande valor, o que, por muitas vezes, afasta as pessoas de procurarem resolver esse necessário problema ou acabam deixando inventários abertos ad eternum, sem perspectiva de resolução.
A base de cálculo do ITCMD se realiza na aplicação de uma alíquota – que segundo o Senado Federal, pode ser de até 8% – sobre o valor venal, ou seja, sobre o valor de mercado do bem ou do direito quando da abertura da sucessão, isto é, do óbito do inventariado. Ressalta-se que o ITCMD é um imposto estadual. Assim, a alíquota irá variar conforme a legislação de cada Estado da Federação.
No Estado de Minas Gerais, o ITCMD está disciplinado pela Lei nº. 14.941 de 29/12/2003 e pelo Decreto nº. 43.981 de 03/03/2005. Neste Estado, segundo o artigo 22 do decreto acima citado, a alíquota vigente é de 5% sobre o valor venal do bem ou do direito. Assim, se formos fazer um cálculo simples da incidência do ITCMD sobre um bem imóvel, cujo valor venal quando da abertura da sucessão é de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), será devido R$ 10.000 (dez mil reais) ao fisco estadual. Valores que afetam o orçamento da maioria dos brasileiros e que geram controvérsias, tanto por parte dos contribuintes quanto do fisco, o que pode gerar excessiva demora na resolução do processo.
O Inventário Judicial por Arrolamento Sumário, na disposição do Código de Processo Civil vigente, busca ser um instrumento efetivo de prestação jurisdicional, em harmonia com o princípio da razoável duração do processo. Neste passo, o lançamento, cobrança e questionamento do imposto passam para a seara administrativa, onde os Estados regularão os procedimentos necessários para tanto, como se pode depreender da própria inteligência do artigo 659, § 2º do CPC, hipótese confirmada pelo artigo 662, caput, do mesmo diploma legal:
Art. 659.
§ 2º Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação e, em seguida, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e às rendas por ele abrangidos, intimando-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 662 (grifo meu).
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Art. 662. No arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio
Deste modo, a entrega da prestação jurisdicional se perfaz no trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha amigável, quando serão expedidos os alvarás necessários à transmissão dos bens e direitos. Após isso, o inventário se extingue.
Posto isso, surge uma questão fundamental: A Fazenda Pública ficaria prejudicada do seu direito de reclamar o ITCMD? A resposta a essa questão está na disposição do art. 662, § 2º, do CPC:
Art. 662.
§ 2º O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros.
A Fazenda Pública, em sede administrativa e, caso necessário em ação judicial própria, poderá questionar os valores atribuídos pelos herdeiros quando da propositura do Arrolamento Sumário. Depreende-se que, neste tipo de processo, não há espaço para o questionamento dos valores do ITCMD. O Código de Processo Civil, bem como a confirmação jurisprudencial a partir do Tema Repetitivo 1074, assinalam a postergação do momento de quitação do imposto, reservando esse momento para após o trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha amigável e, inclusive, após a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação, além dos alvarás necessários para a transmissão dos bens.
O que, evidentemente aponta uma contradição nessa disposição e será discutido em outro momento, é a disposição do art. 143 da Lei de Registros Públicos. Este artigo disciplina que a averbação da partilha homologada só será feita após comprovação da quitação do ITCMD. Ou seja, assegura ao fisco estadual, que não seja procedida a efetiva transferência dos bens ou direitos, sem a quitação do imposto. A dúvida que surge aí é: A prestação jurisdicional realizada pela sentença de homologação de partilha não proporciona a efetiva transferência dos bens que se realiza na averbação da partilha em registro público? É uma grande questão, que será desenvolvida posteriormente, mas que levanta dúvidas sobre a efetividade da prestação jurisdicional no caso da partilha amigável ou da adjudicação por somente um herdeiro.
Outro ponto nevrálgico da questão é a disposição do art. 192 do Código Tributário Nacional, litteris:
Art. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas.
Interpretações mais antigas – como a do art. 1.031 do Código de Processo Civil de 1973, inserido pela lei nº. 9280/1996 – do disposto no artigo acima posto, atravancavam os inventários por Arrolamento Sumário, de modo a condicionar a prolação da sentença de homologação de partilha após o devido recolhimento de todos os tributos referentes aos bens do espólio.
O que a disposição do Código de Processo Civil de 2015 e o entendimento do Tema Repetitivo 1074 do STJ enfatizam é que, para a homologação da partilha, requer-se a juntada dos comprovantes de quitação dos impostos quais hipóteses de incidência são materialmente diversas do ITCMD, quais sejam IPTU, IPVA, ITR e IR, que antecedem ao inventário e não poderiam ser mais reclamados perante o falecido ou ao seu espólio após efetivada a partilha.
Desta forma, é lítico requerer certidões negativas de débitos tributários como condicionante para a prolação da sentença de homologação de partilha, preservando e aperfeiçoando o disposto no art. 192 do CTN, assim como atendendo o princípio da primazia do interesse público e da exigência do crédito tributário.
Desta feita, a novidade do Código de Processo Civil para o Inventário por Arrolamento Sumário, consubstancia a própria opção do diploma instrumental civil pela eficácia da prestação jurisdicional, pela razoável duração do processo e pela autocomposição das partes, tornando os processos judiciais mais ágeis e a prestação jurisdicional mais efetiva.
Neste momento, após as devidas argumentações, faz-se mais clara e entendível a disposição do Tema Repetitivo 1074: “No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN”.
A partir deste entendimento, que ratifica a opção do Código de Processo Civil de 2015 pela célere e eficaz prestação jurisdicional, torna-se possível a resolução da partilha dos bens sem a iminente quitação do imposto nos autos do processo de inventário por Arrolamento Sumário, cujo valor, muitas vezes, assusta e afasta os herdeiros da resolução do problema, além do questionamento acerca dos valores e os pedidos de isenção, atrasarem a resolução do inventário.
A legislação passa a resolução das questões do ITCMD a via administrativa, ou seja, junto às Secretarias de Fazenda de cada Estado, onde, dada cada legislação estadual, os herdeiros poderão requerer descontos, isenção, questionarem os valores etc. Resumindo, a questão do ITCMD se reserva à via administrativa, inclusive, o questionamento dos valores pelo fisco estadual, que será intimado quando do trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo, para que possa proceder com o lançamento do ITCMD e de outros impostos porventura incidentes, nos termos do art. 659, § 2º, do Código de Processo Civil, preservando a exigência da satisfação do crédito tributário pelo fisco estadual. Vale lembrar que o imposto incidirá desde a abertura da sucessão, isto é, do óbito do falecido, postergando-se somente o momento de sua quitação para após o trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha amigável e a expedição dos formais de partilha ou carta de adjudicação.
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