Há algum tempo já vinha sendo prática no país a oferta de “cotas” de participação no chamado “time sharing”. Trazida da Europa com o intuito de entregar maior dinamismo ao turismo, esta modalidade de condomínio permite a aquisição de uma “fração de tempo” de determinada propriedade para fins de lazer, garantindo ao adquirente o direito de utilizar tal imóvel, com exclusividade, por determinado período do ano.
Contudo, só recentemente esta forma de parcelamento temporal do imóvel veio a ser regulamentada no Brasil, pela Lei nº 13.777, de 20/12/2018. A legislação tratou da questão como “multipropriedade” ao introduzir no Código Civil os artigos 1.385-B a 1.385-U.
Por definição da lei, o período mínimo da unidade periódica é de sete dias, seguidos ou intercalados (art. 1.385-E), o que limita a utilização do imóvel por, no máximo, 52 proprietários ao longo de um ano. Não há, por ora, a previsão de multipropriedade de bens móveis.
Até sua regulamentação, pairava nos tribunais pátrios relevante discussão acerca da sua natureza jurídica, se de direito obrigacional ou real, questão de enorme relevância quando analisada à luz das constrições judiciais.
Aqueles que aderiam à tese do direito obrigacional não aceitavam a possibilidade de que o coproprietário do “time sharing” pudesse defender sua fração em face de eventual penhora incidente sobre a totalidade do bem em decorrência de débitos oriundos do compartilhador do empreendimento.
Mesmo antes da vigência da Lei nº 13.777/18, contudo, paradigmático embate jurídico travado junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) definira, por maioria, que se trata de um direito real, admitindo a possibilidade de que em caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal, o multiproprietário tem como remédio jurídico os embargos de terceiro visando a proteção de sua fração ideal (Resp nº 1.546.165).
Acolhendo tal raciocínio, a legislação específica agora expressamente define a multipropriedade como um direito real ‘sui generis’, podendo o coproprietário da fração ideal usar, gozar e dispor da propriedade durante o tempo fixado no pacto.
O texto legal alterou, inclusive, a Lei de Registros Públicos (art. 176, §§ 10 e 11), possibilitando o registro de cada uma das frações de tempo da multipropriedade, que poderão ter matrículas distintas, com inscrição individualizada.
Por ser passível de registro específico, o direito de propriedade sobre a unidade periódica autoriza a cobrança de impostos de maneira direta e particularizada, não podendo o multiproprietário ser responsabilizado por dívidas do imóvel como um todo.
Através do art. 1.358-G, a lei relegou aos proprietários a regulamentação de determinadas particularidades, como a possibilidade de sua utilização específica por faixa etária (terceira idade, p. ex.), a frequência de animais de estimação e até mesmo a limitação de comercialização do número de frações ideais, o que deverá ser tratado na respectiva convenção, como ocorre nos condomínios edilícios.
Enfim, trata-se de instituto novo e que, como tal, certamente necessitará de adaptações da jurisprudência e interpretações doutrinárias para que possa atender devida e efetivamente o seu principal interesse, fomentando a contento o turismo brasileiro, sendo recomendável sempre o acompanhamento de um profissional da área para as devidas orientações antes de sua aquisição.